Memória de curto prazo e memória de longo prazo | Michel Cymes

A memória humana é capaz de conservar milhares de informações no cérebro. Mas conjuga­‑se no plural. Ou seja, não há uma, mas sim várias memórias: devemos distinguir a memória dita de «curto prazo» da memória dita de «longo prazo».


A primeira tem uma capacidade de armazenamento reduzida, senão mesmo ultrarreduzida. Pode ter uma duração de vida entre o meio segundo e os dez segundos! Nem por isso é menos prática e útil, dado que requer prioritariamente os nossos sentidos para filtrar os elementos a reter no fluxo contínuo de informações captadas pelos olhos, os ouvidos, os dedos ou o nariz. Mas aquilo que normalmente chamamos «memória de curto prazo» dura cerca de 30 segundos. Este pequeno período permite reter uma informação, por exemplo, memorizar um número de telefone que acabámos de receber ou pegar rapidamente numa caneta e anotá­‑lo. Toda a gente pode prolongar a duração de memória, basta repetir várias vezes a informação a reter, para dentro ou em voz alta. Esta memorização é preciosa, pois desempenha um papel fulcral no cumprimento das nossas tarefas diárias.

No registo da «memória de curto prazo», os psicólogos evidenciaram a designação do «mágico número 7»: seremos mais capazes de reter de maneira breve, visual ou auditivamente, sete unidades de informação diferentes. Mas nem toda gente se rege pela mesma tabela! Algumas pessoas estão limitadas a cinco, outras chegam a nove unidades. Tudo depende da capacidade de concentração de cada um. Seja como for, estas sequências sobrevivem em média durante vinte segundos no cérebro. Para lá disso, 90 por cento das informações são esquecidas. Tal como são instantaneamente esquecidas montes de informações inúteis, poupando a saturação do cérebro.
A passagem da memória «de curto prazo» para a memória «de longo prazo» faz­‑se por obra e graça da repetição e pela força da emoção. Permite construir recordações, fenómeno que foi estabelecido pela regra de Hebb, nome do neuropsicólogo canadiano Donald Hebb (1904­‑1985). Quando um neurónio envia regularmente um sinal para outro neurónio, o segundo torna­‑se cada vez mais sensível à mensagem. Cria­‑se então um elo que os une e que se reforça se a conexão for repetida. Assim se memorizam as tabuadas e se aprendem poemas de cor! Mas a emoção pode produzir o mesmo efeito. Quando o primeiro neurónio é ativado por uma imagem, saída do computador, que corresponde a um momento de alegria (um nascimento, por exemplo) ou a uma cena de violência, a carga emocional regista instantaneamente esse momento. Não é costume dizer­‑se: «Foi um momento inesquecível»? No sentido literal: não se esquece. Esse momento vai inscrever­‑se de forma duradoura na memória «de longo prazo», cuja capacidade de armazenamento é indefinida, teoricamente ilimitada.
Esta memória tem a função de armazenamento e constrói a nossa personalidade. Devemos­‑lhe as recordações das primeiras férias na praia, a persistência do sabor do primeiro beijo, o facto de podermos recitar os primeiros versos de Os Lusíadas ou de nos lembrarmos das regras do póquer... É esta memória que permitiu a Proust evocar o perfume das madalenas mergulhadas no chá, na sua infância, qual príncipe da memória olfativa, a mais forte das memórias ligadas aos cinco sentidos, graças a neurónios específicos repartidos nas fossas nasais, capazes de reconhecer cerca de dez mil odores diferentes. Esta memória de «longo prazo» é composta por vários processos: a memória não declarativa, que gere de maneira inconsciente todas as nossas aprendizagens (nomeadamente a do andar); e a memória declarativa, consciente, que gere todos os conhecimentos adquiridos, à qual recorremos nos momentos oportunos. No entanto, não somos todos iguais diante dos mecanismos de memorização. As recordações, por exemplo, imprimem­‑se melhor antes dos 30 anos, idade em que a capacidade de concentração culmina. Depois, as coisas degradam­‑se. Enquanto um estudante consegue aprender as suas lições a ouvir música, um quadragenário precisa de silêncio. Por volta dos cinquenta anos, inicia­‑se o envelhecimento da memória, que acelera a partir dos 75 anos. Porém, a idade não é o único fator a ter em conta. O sexo (homem ou mulher, não a sua prática...) também pode ter a sua importância... Demonstração: as mulheres estão frequentemente carenciadas de ferro. Ora, o ferro é indispensável no transporte do oxigénio para o cérebro. Por isso, a carência de ferro afeta diretamente as capacidades de memorização e de concentração. Daí a importância, minhas senhoras, de não desprezarem o chouriço de sangue, nem que seja em pequenas doses, as carnes vermelhas ou de caça, as lentilhas, os espinafres ou os cereais integrais, todos eles repletos de ferro... A genética, a educação e o trabalho também condicionam as capacidades memorativas. Aqueles que passaram a vida inteira a trabalhar a memória, por via de atividades intelectuais, constituindo assim «reservas», terão mais hipóteses de retardar o aparecimento de problemas. Um estudo sueco mostrou que num cérebro estimulado, mesmo que idoso, os neurónios renovam­‑se muito mais do que se pensava, a um ritmo de 2 por cento ao ano.
Fascinante memória! Os Gregos clássicos não se enganaram e até lhe dedicaram uma deusa: Mnemosine (sim, é daqui que vem a palavra «mnemotécnica»). Filha de Gaia (a Terra) e de Urano (o Céu), Mnemosine tinha um dom particular: inventava palavras e contava histórias. Para encantar Zeus, o deus dos deuses, bajulou­‑o narrando as vitórias destes últimos contra os seus inimigos comuns, os Titãs. Zeus sucumbiu e, no cume do Olimpo, Mnemosine deu à luz nove filhas: as Musas. Algumas pinturas antigas retratam­‑na com os traços de uma mulher de idade, madura, segurando o https://www.leyaonline.com/pt/livros/saude/viver-melhor-e-mais-tempo/queixo e o lóbulo da orelha com dois dedos, numa atitude meditativa. Uma exceção para a época clássica em que os deuses costumavam ser representados com traços de adolescentes. Talvez fosse uma maneira de realçar a sua importância, muito antes da invenção do alfabeto e da escrita... A menos que fosse questão de captar o instante exato em que as duas memórias, a de «curto prazo» e a de «longo prazo», estão em interação, o exato momento em que o cérebro recebe uma informação, em que a trata e lhe dá significado, decidindo, ou não, conservá­‑la.