Sem glúten, com desconfiança | Michel Cymes

Encontramo­‑lo na massa, nos bolos, nas sopas, nos molhos, no pão – designadamente no miolo –, comemo­‑lo desde sempre, por via do trigo e do centeio, e eis que, subitamente, parece que é veneno! Anátema sobre o glúten! Estará a infestar a nossa alimentação e será o causador de todos os nossos males: enxaquecas, depressões, náuseas, insónias, artrose, asma, irritação de pele e até mesmo esclerose e esquizofrenia, deixo de lado umas ainda piores.
Desde a publicação do livro do cardiologista americano William Davis, no qual ele dá a garantia de que os seus pacientes tinham saúde para dar e vender depois de se terem livrado do glúten, que a onda nunca mais parou de ganhar terreno. Já li aqui e ali que, do outro lado do Atlântico, um terço da população estaria a tentar banir o glúten da sua alimentação (confesso que estes números me parecem difíceis de verificar, mas a tendência é inegável), e constato que, deste lado do Atlântico, o impulso vai no mesmo sentido.
Evolução justificada ou simples histeria?
Eu desconfio das modas. Muitas vezes, servem para ocultar operações comerciais sumarentas. Mas também não sou surdo e consigo ouvir os testemunhos de pessoas que afirmam que a adoção do regime gluten­‑free transformou o seu dia a dia para melhor.
No entanto, como sou médico, tenho tendência para remeter para as demonstrações científicas. Ora, até à data, nenhum estudo (e salto a maior parte deles, pois quase todos se contradizem) permitiu concluir que o glúten seja responsável por todas essas maleitas.
Das duas uma: ou se é intolerante ao glúten ou não.
Para o primeiro caso (que diz respeito a um por cento da população portuguesa) há uma designação, a doença celíaca, e é do foro médico. É preciso ir a uma consulta. Os sintomas são identificados e o tratamento implica uma dieta sem glúten que deve ser seguida à risca.
https://www.leyaonline.com/pt/livros/saude/viver-melhor-e-mais-tempo/No segundo caso, qualquer inclinação para o gluten­‑free releva, de um ponto de vista estritamente médico, de uma moda, de autossugestão, ou de uma opção cultural, que é, posso garantir, eminentemente respeitável. E constrangedora: passa a ser muito mais difícil aceitar um convite para jantar, ir às compras ou ao restaurante. Mesmo que o comércio se organize para dar resposta: florescem diariamente mercearias, sites na internet, restaurantes e espaços dedicados nos supermercados. Nem é preciso mencionar que os produtos aí expostos são mais caros do que os produtos clássicos...