BEN: Uma rapariga que me ouvira dar uma palestra telefonou‑me para me perguntar se eu podia ir falar para os residentes de um lar de idosos judaico ali perto. Vi na minha agenda que estava livre na tarde da data que ela mencionava, mas estava envolvido com tantos outros projetos, incluindo um concerto no fim de semana, que sabia que era tolice acrescentar‑lhe mais uma coisa. No entanto, a memória de o meu pai viver o fim da sua vida numa instituição como aquela suplantou o meu bom senso e aceitei o convite.
O dia chegou sem que eu tivesse pensado mais no caso e agora a pressão era ainda maior do que eu temera. Acabara de voar de Washington para Boston nessa manhã e, com palestras, conferências, aulas e um concerto para preparar, a última coisa no mundo de que parecia precisar era de desperdiçar uma tarde preciosa com uma data de idosos. Fiz uma tentativa para cancelar o compromisso, mas a rapariga expressou tal desapontamento em nome dos residentes que, uma vez mais, lembrando‑me do meu pai, concordei em ir… com a condição de me permitirem sair às três horas em ponto. A palestra devia começar às duas.
Apenas uma pessoa estava sentada na quinta fila de uma plateia de cadeiras desdobráveis quando eu entrei naquele salão bastante mortiço, ao faltarem dez minutos para as duas. Identificou‑se como Sarah. Conversei com ela por um instante e pedi‑lhe que se mudasse para uma cadeira mais à frente. Sarah manteve a sua posição. “Sento‑me sempre aqui”, disse ela. Desafiei‑a com bondade: “Quem sabe, Sarah, se, ao mudar de assento, não lhe acontece alguma coisa boa hoje…”
Sarah aceitou o desafio. “Está louco? Com a minha idade? Tenho oitenta e três anos!” Mas já estava de pé e, como que para me provar que estava enganado, mudou da quinta para a quarta fila. Durante pouco tempo, considerei a probabilidade de que ninguém mais aparecesse, e de ter posto de lado tantos assuntos urgentes para falar apenas para Sarah, mas, gradualmente, as restantes cadeiras encheram‑se. Muito pouco depois das duas horas, um grupo considerável estava pronto a começar. Sarah não era, como se revelou depois, de modo algum, a mais velha; um membro da audiência tinha 103 anos. O tópico era “Novas Possibilidades”.
Contei numerosas histórias, muitas delas acerca do meu pai, que, embora completamente cego, manteve, até ao fim da sua vida, a graça e os valores do Velho Mundo. O meu pai passara por experiências devastadoras durante a sua vida – como soldado raso na Primeira Guerra Mundial e como um homem que, em 1939, tomou a agonizante decisão de mudar a sua família da Alemanha para Inglaterra, deixando para trás a mãe e as tias, relutantes. As mulheres que se recusaram a partir foram mortas nos campos. Certa vez, perguntei‑lhe porque é que ele não estava zangado. Ele disse‑me: “Descobri que uma pessoa não pode viver uma vida preenchida debaixo da sombra da amargura”. Efetivamente, ele ganhou o afeto dos residentes e do pessoal do seu próprio lar de idosos, Croham Leigh, por causa da sua capacidade para lançar uma nova luz sobre todas as situações. “Não existe mau tempo”, costumava ele dizer, “apenas roupas inapropriadas”. Até no seu último dia de vida, o Papá conseguiu fazer uma piada que mudava um paradigma. Estava deitado na cama, destituído de todas as capacidades, exceto a sua aptidão para falar e ouvir e o seu sentido de humor. O meu irmão Luke, que era seu médico, entrou no quarto e anunciou a sua presença. O paciente moribundo perguntou ao seu médico “Posso fazer alguma coisa por si?”, e riu a de leve. Essas podem muito bem ter sido as suas últimas palavras. Morreu nessa noite.
Falámos de muitas coisas nessa tarde, no lar de idosos de Boston. O nosso riso e a nossa cantoria, todos juntos, incendiaram o ar daquela sala, outrora mortiça. Desafiámos as assunções acerca da velhice e apontámos na direção de alguns recomeços. Às três e meia, abri o espaço dedicado a perguntas. Havia muitas. Uma senhora perguntou‑me, com uma forte pronúncia judaica alemã: “Porrqu’é que se dá ao trrabalho de virr aqui? Você é um jovem talentoso. Porrqu’é que desperrdiça o seu tempo com uma data de velhos como nós?”
Bastante surpreendido, confessei que, mais cedo nesse dia, me colocara exatamente a mesma questão. “Mas aconteceu tanta coisa desde então…”, comecei a dizer. Procurei as palavras que explicassem o intenso envolvimento, a excitação e a paz que sentia naquele momento. Os meus olhos incidiram sobre Sarah. “Quando entrei aqui, a Sarah estava na quinta fila, e agora está na quarta!” E Sarah pôs‑se de pé, ergueu o punho e gritou: “E ainda não viu nada! Ainda mal comecei!” Então, todos nós começámos a aplaudir, e aplaudimos e aplaudimos e aplaudimos. O aplauso ultrapassou em muito o ponto em que estávamos a aplaudir Sarah. Estávamos a aplaudir a alegria de estarmos vivos. Ao sair daquela sala, o relógio marcava as dez para as quatro. Estava a caminhar nas nuvens e tinha tempo para tudo. Toda aquela experiência tinha que ver com possibilidades radiosas.
Sarah aceitou o desafio. “Está louco? Com a minha idade? Tenho oitenta e três anos!” Mas já estava de pé e, como que para me provar que estava enganado, mudou da quinta para a quarta fila. Durante pouco tempo, considerei a probabilidade de que ninguém mais aparecesse, e de ter posto de lado tantos assuntos urgentes para falar apenas para Sarah, mas, gradualmente, as restantes cadeiras encheram‑se. Muito pouco depois das duas horas, um grupo considerável estava pronto a começar. Sarah não era, como se revelou depois, de modo algum, a mais velha; um membro da audiência tinha 103 anos. O tópico era “Novas Possibilidades”.
Contei numerosas histórias, muitas delas acerca do meu pai, que, embora completamente cego, manteve, até ao fim da sua vida, a graça e os valores do Velho Mundo. O meu pai passara por experiências devastadoras durante a sua vida – como soldado raso na Primeira Guerra Mundial e como um homem que, em 1939, tomou a agonizante decisão de mudar a sua família da Alemanha para Inglaterra, deixando para trás a mãe e as tias, relutantes. As mulheres que se recusaram a partir foram mortas nos campos. Certa vez, perguntei‑lhe porque é que ele não estava zangado. Ele disse‑me: “Descobri que uma pessoa não pode viver uma vida preenchida debaixo da sombra da amargura”. Efetivamente, ele ganhou o afeto dos residentes e do pessoal do seu próprio lar de idosos, Croham Leigh, por causa da sua capacidade para lançar uma nova luz sobre todas as situações. “Não existe mau tempo”, costumava ele dizer, “apenas roupas inapropriadas”. Até no seu último dia de vida, o Papá conseguiu fazer uma piada que mudava um paradigma. Estava deitado na cama, destituído de todas as capacidades, exceto a sua aptidão para falar e ouvir e o seu sentido de humor. O meu irmão Luke, que era seu médico, entrou no quarto e anunciou a sua presença. O paciente moribundo perguntou ao seu médico “Posso fazer alguma coisa por si?”, e riu a de leve. Essas podem muito bem ter sido as suas últimas palavras. Morreu nessa noite.
Falámos de muitas coisas nessa tarde, no lar de idosos de Boston. O nosso riso e a nossa cantoria, todos juntos, incendiaram o ar daquela sala, outrora mortiça. Desafiámos as assunções acerca da velhice e apontámos na direção de alguns recomeços. Às três e meia, abri o espaço dedicado a perguntas. Havia muitas. Uma senhora perguntou‑me, com uma forte pronúncia judaica alemã: “Porrqu’é que se dá ao trrabalho de virr aqui? Você é um jovem talentoso. Porrqu’é que desperrdiça o seu tempo com uma data de velhos como nós?”
Bastante surpreendido, confessei que, mais cedo nesse dia, me colocara exatamente a mesma questão. “Mas aconteceu tanta coisa desde então…”, comecei a dizer. Procurei as palavras que explicassem o intenso envolvimento, a excitação e a paz que sentia naquele momento. Os meus olhos incidiram sobre Sarah. “Quando entrei aqui, a Sarah estava na quinta fila, e agora está na quarta!” E Sarah pôs‑se de pé, ergueu o punho e gritou: “E ainda não viu nada! Ainda mal comecei!” Então, todos nós começámos a aplaudir, e aplaudimos e aplaudimos e aplaudimos. O aplauso ultrapassou em muito o ponto em que estávamos a aplaudir Sarah. Estávamos a aplaudir a alegria de estarmos vivos. Ao sair daquela sala, o relógio marcava as dez para as quatro. Estava a caminhar nas nuvens e tinha tempo para tudo. Toda aquela experiência tinha que ver com possibilidades radiosas.