Crianças?... Faça um “test‑drive”! | Eduardo Sá

Há muitos pais que usam e abusam da ilusão de que a sua vida seria, seguramente, muito mais fácil se os filhos já nascessem equipados com um manual de instruções. Mas vamos aos malfadados manuais...

Ora, esse permanente desabafo pressupõe que existe uma “fórmula”, tecnicamente irrefutável, de educar sem dor, sem erros, sem dúvidas e sem enganos. O que não é possível! Educar nunca é fácil, dá trabalho e é imprevisível. Exige dedicação, determinação e perseverança. E – claro! – alma, coração e cabeça. E, sobretudo, muita humildade (porque ninguém educa à margem dos erros com que se aprende). O que, para mais, obriga todos os pais a não pararem, nunca, de crescer.
Não seria essencial que os pais escutassem mais as suas convicções de pais e olhassem menos para os “manuais de instruções”? E, por mais que escutem quem lhes mereça consideração, e quem os ajude a pensar os filhos e a ser melhores pais, não seria mais importante que arriscassem e ousassem? E – mais ainda – não seria indispensável que reconhecessem que pais menos prevenidos se tornam melhores pais?

Mas, afinal, o que querem os pais das crianças? Crianças com desempenhos irrepreensíveis, se bem que enfadonhas, ou alguém que fuja da norma (mesmo que pareça um “multifunções”, quer quando, no meio duma birra, parece ter “tração às quatro rodas” ou, sempre que se besunta com a sopa, vai de “grande turismo” a “todo o terreno” num abrir e fechar de olhos)? Não terão as dificuldades de quem aprende tudo a ver com os obstáculos de quem ensina?
Sejamos razoáveis: não será estranho que, a par do modo como tantas crianças parecem ora em autogestão ora em autodeterminação ou, ainda, com birras sofisticadíssimas diante das quais os pais parecem ser de “algodão doce”, mais eles reclamem manuais de instruções? Ou seja: não será estranho que quanto menos fazem de pais, pelos motivos mais bondosos, mais reclamem fórmulas infalíveis para serem bons pais?
Talvez estejamos, então, a passar dum período em que tudo seria culpa das mães – desde a má‑educação dos filhos às doenças mentais mais graves – para um outro em que os pais parecem sossegar‑se muito mais quando alguém os remete para “defeitos de fabrico” das crianças (há sempre uma alegação resguardada no genoma à espera deles), como se os pais e as escolas fossem mais vítimas que responsáveis de quem possa ter programado as crianças de forma mais ou menos irrefletida.
Falemos claro: regra geral, se as crianças são mal‑educadas isso talvez não se fique tanto a dever ao gosto de não se darem à educação. Mas, muito mais, porque lhes falta quem as eduque. Isso não é https://www.leyaonline.com/pt/livros/familia/querida-mae/trágico! Acontece a todos os pais. Afinal, se as crianças – por vezes, em circunstâncias tão adversas – até já se “arrumam sozinhas”, o que é que os pais querem mais?
Aceite um conselho: se pensa que já sabe tudo acerca do seu filho, e se lida com ele como se “dominasse” todos os aspetos das suas performances, pare, por favor! Nunca se esqueça que os bons pais são aqueles que, apesar do que supõem saber, fazem (com cada uma das crianças lá de casa) um “test‑drive”. Todos os dias!