É importante para uma criança poder mentir? | Eduardo Sá

Não será simplesmente importante, mas fundamental. Quando uma criança pode mentir, mesmo com a certeza de que “as mães têm um dedo que adivinha” (tão próximo do de ET, aliás), fazem-no com a certeza de como é benigna a separação que o pensamento pelas suas cabeças representa. Quem nos preocupa não serão as crianças que mentem aos pais, mas as que mentem muito (talvez para perceberem quem é capaz de acreditar nelas) e as que nunca podem mentir. Guardam – como nós – alguns pedaços de verdade, a que chamam segredos, e reservam-nos para quem mereça maior qualidade na sua confiança. Mentir é, também, poder guardar segredo. Já não poder mentir será, por ironia, não ser capaz de confiar.



Mas os pais também mentem (nem que, talvez para se desculpabilizarem, tenham de inventar um “dia https://www.leyaonline.com/pt/livros/familia/mas-maneiras-de-sermos-bons-pais-2/das mentiras”). Mentem quando falam no papão – que não existe, senão como um boneco que condensa medos indecifráveis das crianças – ou, mesmo falando verdade, dão a entender disporem do poder mágico que não têm quando “condenam” os filhos a “dormir descalços”. Mentem, também, quando dizem que os bebés vêm no bico de uma cegonha. Mas, ainda assim, fazem-no com a consciência de que há mentiras que protegem. Quem nos preocupa são os pais que se obrigam a jamais mentir e, cumprindo isso, fazem batota, ignoram as verdades que são inacessíveis ao pensamento de uma criança e impingem-lhes as suas. No fundo, a verdade nunca se diz: ajuda-se a descobrir. Perante isso, o tempo é o melhor amigo da verdade.