Vêm aí os exames! Multiplicam-se as horas de estudo.
Multiplicam-se as aulas de preparação para eles. Multiplicam-se as explicações.
Multiplicam-se os comentários - dos pais, dos professores e dos órgãos de
comunicação social - sobre a ansiedade dos alunos diante dos exames. E
multiplicam-se os consumos de ansiolíticos e de antidepressivos. É claro que os
exames são uma prova séria, que não se deve ignorar. Mas será razoável que se
lhe dê a importância que eles não merecem?
Em primeiro lugar, é importante que haja provas de aferição
- com classificações e sem elas - consoante os anos de escolaridade a que se
destinam, que tragam argumentos robustos em relação à qualidade do ensino e aos
conhecimentos dos diversos estudantes. Acresce, todavia, que quando se trata
das avaliações acerca de algumas disciplinas do ensino secundário (matemática
ou físico-química, por exemplo), estes momentos de avaliação serão mais
fidedignos para os conhecimentos dos estudantes, tal a percentagem inacreditável
dos que são acompanhados em explicações regulares nessas áreas de conhecimento,
desde há muito tempo.
Em segundo lugar, os exames de hoje não têm, felizmente, a
ver com o valor que tinham no “antigo regime”. Ou seja, atribuir-lhes uma
percentagem sensata em relação à classificação final a uma determinada
disciplina não faz deles uma espécie de “golo de ouro” com que, no “final do
tempo regulamentar” (e de forma injusta e discriminatória), se rouba a
democracia das oportunidades que a escola mais devia acarinhar. Aliás, se a
discussão provas de aferição/exames nacionais, que preencheu muitas páginas de
jornal durante algum tempo, já de si introduziu uma clivagem esquerda/direita
infelicíssima (para os dois lados), associar os exames (nomeadamente, os do
ensino secundário) a uma presumível discriminação social quando ela, desde os
berçários ou do jardim de infância, não cessa de aumentar (sem que se
vislumbrem protestos inequívocos ou medidas claras para que seja revertida),
correrá o risco de evitar a pergunta: “os exames são úteis?” E, no caso de o
serem, “para que é que servem?…”
Em terceiro lugar, talvez se possa questionar se, existindo
uma paridade de métodos de ensino e de sistemas de avaliação, os exames
nacionais farão sentido, havendo quem se pergunte que confiança pode ter um
sistema educativo em si próprio quando, depois de continuadamente validado por
quem o dirige, precisa de aferir, através duma amostra “macro”, a consistência
dos conhecimentos e a qualidade do ensino que ele próprio tutela, reconheceu e
validou. Seja como for, num país onde existem algumas escolas que reincidem nos
enviesamentos de classificações dos alunos duma forma desonesta (sem medidas
que as dissuadam e que vai merecendo a “distracção” de quem as devia castigar e
a complacência cúmplice de muitos pais), um exame, com uma ponderação na nota
final que represente uma percentagem equilibrada em relação ao valor final das
classificações, poderá ser, para além de normalizar os resultados escolares, muito
mais um factor de democraticidade do ensino do que possa parecer.
Em quarto lugar, tenho medo que muitos pais e muitos
professores façam dos exames uma leitura ainda muito “colada” às suas experiências
de alunos, dando-lhes um peso desmesurado e atribuindo-lhes uma preponderância
muito para lá do razoável. E, por mais que a intenção passe por motivar e
responsabilizar os estudantes, pergunta-se por que motivo os exames são,
continuadamente, evocados como um “bicho-papão”, como se quem os pensa os elaborasse
de forma desleal, descontextualizada das matérias e dos métodos de avaliação, e
com a firme intenção de criar constrangimentos, “ratoeiras” e obstáculos (difíceis
de transpor) ao sucesso educativo. O que não é verdade. Um exame será, muitas
vezes, mais acessível que muitos testes. Não tanto porque os exames premeiem o
facilitismo, mas porque haverá testes com graus de dificuldade muito elevados.
Já agora - e deixem-me que o acentue, contrariando uma visão do género “no meu
tempo é que era… porque chumbava muita gente” - não é por existirem mais
reprovações a uma disciplina que o ensino é mais rigoroso e mais sério. Talvez
um argumento desses alimente quem se deu mal com exames, quando os realizou, e
encontre numa justificação como essa uma explicação “airosa” para insucessos
escolares mal tolerados. Mas acaba por ter uma robustez semelhante à tendência, que se vai observando nalgumas
escolas, para se colocar muito “pó de arroz” nas notas, como se os alunos se situassem, todos
eles, entre o sobredotados e os geniais.
Em quinto lugar, não fará mesmo sentido que, quando se trata
de serem avaliados às disciplinas acerca das quais se andarão a preparar, os
estudantes passem por calafrios, só de pensarem os exames? Faz. Acima de tudo
porque, ao contrário daquilo que lhes é dado a entender, todos nós passamos a
vida a ser avaliados. E isso não é mau. Exige, antes, seriedade, determinação,
humildade e ambição. E experiência de avaliação, o que só se consegue com
momentos avaliativos de complexidade diferente, distribuídos ao longo do
percurso educativo. E implica gerir a cabeça, os conhecimentos, o “coração” e o
tempo com perseverança, com acutilância, com engenho e com denodo, com alguma
capacidade de sacrifício e com tolerância à frustração. E exige que se coloque
numa resposta capacidade de estudo e de síntese, expressividade, competências lógicas,
raciocínio hipotético-dedutivo e capacidade de abstracção que façam com que ela
seja inequívoca e esclarecedora em relação aos recursos que um estudante foi capaz
de desenvolver. Um exame introduz, em resumo, uma tendência que leva os
estudantes dos “campeonatos regionais” para o “desporto de alta competição”. O
que não é, pelo contrário, incompatível com a nobreza formativa que a escola
lhes disponibiliza e com aquilo com que a educação os privilegia.
Em sexto lugar, a escola não pode tornar uma avaliação do
final do ano como uma experiência “esdrúxula”. Como se um exame fosse “a mãe de
todas as avaliações”. Que não é! Aliás, se escola o fizesse, esse seu gesto
poderia ser interpretado como uma forma ínvia de projectar sobre os exames e
sobre os alunos as responsabilidades que ela própria não consegue assumir, a
propósito das falhas da sua formação. Até porque um aluno razoavelmente
preparado estará sempre habilitado a realizá-los sem sobressaltos exagerados.
Ou seja, quando a escola coloca sobre os exames o ónus do sucesso de um ano
escolar estará a ser, por distracção, razoavelmente desonesta, porque cria um
facto que não corresponde à verdade. Já se com isso pretende motivar os
estudantes estará equivocada quanto aos métodos. Porque se o medo é amigo da
humildade, o “medo fastasmático” dos exames será quem mais alimenta o medo do
medo, com que a maior parte dos estudantes se precipitam em direcção ao pânico.
Por uma razão simples: porque “premeia” o exame com um medo muito para lá do
medo com que eles convivem em situações semelhantes, e coloca um medo
irracional em cima do medo saudável que eles - ou qualquer um de nós - têm
diante de uma qualquer situação vivida como muito importante.
Em sétimo lugar, falemos, agora, para os pais. Porquê?
Porque essa ideia de “viver sem ansiedade”, de que tantos falam e que muitos
pais “consomem”, é “publicidade enganosa”. As pessoas saudáveis, sensíveis,
inteligentes e calorosas nunca são indiferentes a nada. E, muito menos, aquilo
que é muito importante para elas. Logo, a ansiedade será, assim, um sinal (saudável!)
que “marca” um perigo potencial e que, em tempo real, nos capacita para sermos
mais atentos diante dele, mais “focados” diante das arestas que nos traz e mais
engenhosos na sua resolução. Ou seja, a ansiedade ajuda a resolver problemas. É
claro que a ansiedade “fora de controle” os multiplica. Mas é, também, verdade
que o “estás ansioso?” de muitos pais, ou o “não vale a pena estarem nervosos” de
alguns professores - ao contrário do que uns e outros pretendem - cria o medo
de se ter medo. E esse, sim, faz com que a ansiedade, em vez de ser vivida como
um sinal que protege, se transforme numa ameaça que compromete, criando-se aí as
condições para as “brancas” ou para os “bloqueios” de que tanto se fala. Esse “sofrer por antecipação” - tão,
involuntariamente, estimulado por muitos pais e por muitas escolas - não só não
dessensibiliza os estudantes para a existência da ansiedade como também não os
ajuda a aprender a viver com ela (e, sobretudo, a tornarem-se mais aptos a
vencer, mesmo quando ela se insinua ou se “atravessa” no meio de um exame). Por
isso mesmo, desejar que os filhos não estejam nervosos em situações de exame,
repetir-lhes que “vai correr bem!” (não lhes dando espaço para falarem dos seus
medos), esperar que alguém os liberte da ansiedade ou permitir que os ansiolíticos
e os antidepressivos se tornem medicamentos de acesso “livre” nesses momentos,
em vez de os ajudar no hoje e no amanhã da sua relação com as avaliações, cria
situações não só muito pouco amigas dos exames como, sobretudo, pouco amigas
dos filhos. Seja como for, se a “alta tensão” dos filhos - nestas alturas, e em
resultado da forma como os exames são geridos - se traduz por manifestações
mais “inflamadas” e mais “lamurientas” que os tornem “impossíveis”, isso não
significa que os pais devam ser mais brandos nas regras de bom senso com que
pautam a boa educação. Doutra forma, estaríamos a transformar esses momentos de
avaliação numa fresta através da qual a “Lei familiar” parecia tirar férias
durante a época dos exames, o que, valha a verdade, não ajuda a tranquilizar
ninguém; antes agita! Aliás, um grito de pai ou de mãe, com um bocadinho de fúria,
sempre que um filho se “estica” por causa dos exames, ajuda os filhos a
deixarem de ver neles uma oportunidade preciosa para “mandarem no jogo” ou para
“liberalizarem as regras” mais do que deviam.
Finalmente, nunca há circunstâncias óptimas para se ir a
exame. É, até, engraçado o lado hábil dos nossos filhos quando insinuam que
escolhemos as épocas de exame para os contrariar ou repreender, como se o fizéssemos
- quase com um laivo de “perversidade” - para comprometer os exames. Ora, é normal
que mesmo que eles não acreditem em bruxas, tenham “um lado supersticioso” que
os leve a recear que o mundo inteiro se una só para lhes “tramar” os exames. Na
verdade, quando elegemos alguns “fantasmas” estamos a exorcizar os medos. E
isso faz bem; e ajuda a “digerir” o “nervoso miudinho”. Logo, se os estudantes
nunca passaram por isso tanto quanto precisam, a ponto de aprenderem a conviver
com ele, como é que poderão viver os medos “com calma”, como os pais tanto
desejam? Aliás, de cada vez que se fica numa imensa “tremedeira” interior, essa
experiência, que os nossos filhos induzem em si próprios só porque se imaginam
numa situação de prova, serve de inoculação ao stress que, mais do que parece,
funciona como uma “vacina” que os prepara para a situação real que, mais tarde,
irão viver. Já quando argumentam que “funcionam melhor sob pressão” isso
significa que foram guardando para “a última” o estudo que deviam ter realizado
antes e que, pior, se terão dado bem com essas infracções humanas, como essa,
em circunstâncias anteriores. Logo, é bom que não se alimente demais esse “slogan”
… Do mesmo modo, quanto mais os pais, na ânsia de serenarem o medo dos filhos,
mais lhes asseguram que “não precisam de ser os melhores”, só lhes aumentam a
pressão porque, vendo bem, aquilo que parece prevalecer não será tanto que lhes
exijam que dêem o melhor de si mas que tenham de mostrar que são… “bons”. Ora,
há uma diferença grande entre darem o melhor de si e exibirem-se como “os
melhores”. Darem o melhor de si faz com que a ansiedade os mobilize para o
desafio; exibirem-se como “os melhores” faz com que tudo aquilo que impeça um
estudante de ser “o melhor” (como a ansiedade, por exemplo) os transforme num
presumível fracasso.
Em resumo, vêm aí os exames. E isso é bom. Sobretudo se não
existir a tentação de “equipar” os estudantes com um guia para lhes sobreviver.
Como se, para além de todo o trabalho que têm, só os vencessem sem medos, sem
ansiedades e sem “bloqueios”. E, claro, com “fórmulas” eficazes que os
tornassem indiferentes aos desafios e aquilo que representam para si. E isso
sim, mais que do que qualquer exame, só lhes faz mal.